Sobre a essência
Essência: Substantivo feminino. Aquilo que é mais básico, o mais
central, a mais importante característica de um ser ou de algo, que lhe confere
uma identidade, um caráter distintivo. (dicionário Houaiss).
Há alguns anos tenho tentado
entrar dentro de mim mesma buscando me encontrar e me compreender. Parece
estranho quando um dia a gente acorda e se vê agindo de forma automatizada,
seguindo um script, uma rotina. De repente dentro daquela previsibilidade toda,
senti-me perdida. Perdida de mim mesma. Quem era eu? Comecei a me perguntar.
Qual é a minha essência?
Então várias questões começaram a
povoar a minha cabeça: se eu tivesse que me definir em uma palavra, qual seria?
Quais são os atributos que me definem como pessoa? Eu realmente gosto das coisas
que acho que gosto? A imagem que o mundo tem de mim realmente corresponde à
realidade? Meu Deus! Comecei a me perguntar quem eu era... Bem... na verdade
hoje, mais do que nunca, me pergunto quem eu sou. Mais do que isso, hoje me
pergunto onde foi que eu me perdi de mim mesma. Quando foi que minhas escolhas
pararam de ser minhas?
Protelei por muitos anos a
tempestade que eu sabia que se aproximava. Não quis admitir que ela chegaria
mais cedo ou mais tarde. Tive pânico de deixa-la chegar. Tive pânico de perder
o que eu tinha conquistado. Mas o que é mesmo que eu havia conquistado? Nesse
mar de incertezas onde vivo hoje como uma náufraga percebo que por mais que as
pessoas tentem fazer parecer o contrário, a grande verdade é que não possuímos nada
nesta vida além de nós mesmos.
Possuir a nós mesmos... parece
obvio, mas é absurdamente complicado. Quando nos referimos à posse de algum
objeto, sabemos dizer o seu tamanho, a sua cor, o seu cheiro, a sua textura.
Sabemos definir para que aquilo serve. A essência do objeto está dentro da sua própria
definição. Agora, quando nos referimos à posse de nós mesmos a coisa se
complica um pouco mais.
A relatividade da vida, dos
olhares, parece lugar comum, mas na realidade a coisa é muito mais complexa e
profunda. Como começar a me definir para encontrar a minha essência? Não sei
por onde começar. Sou uma mulher. Isso é um começo. Uma mulher de 31 anos. Mais
um passo. Mas então procuro ir mais a fundo e pergunto: que tipo de mulher eu
sou? É ai que não consigo mais colocar em palavras.
Não é que eu me desmereça como
pessoa, de forma alguma, é que estou paralisada na frente do espelho procurando
algo que não consigo ainda enxergar. Há uns 12 anos, se alguém perguntasse quem
era a Nicole, era fácil dizer: aquela menina, que fala italiano, dá aulas de
inglês, é dançarina do ventre e estuda jornalismo. Nessa época eu era um furor,
uma cabeça que pensava 24 horas por dia, respirava aquilo que me completava, e
buscava incansavelmente a realização de sonhos, que nem mesmo eu sabia ao certo
quais eram.
Sem sombra de dúvida posso
afirmar que a dança me definia nesta época. Ali, naquele momento, eu jamais
imaginaria que agora, aos 31 anos, aquele sentimento mágico de pisar num palco
e sentir a energia das pessoas que me assistiam e se emocionavam comigo, seria
uma saudosa lembrança de um tempo feliz. Além da dança, outra coisa que sem
sombra de dúvida me definia (e ainda me define, já que aqui estou eu dialogando
comigo mesma através das palavras) é a escrita. Escrever sempre aliviou o meu
coração, desde que eu era criança. Mas ser a menina-mulher que escreve não
resolve tanta coisa. Só ajuda a organizar (que escolha interessante de palavra)
minimamente uma série de questionamentos e dúvidas que povoam o meu ser perdido
neste marzão da vida.
Será que eu comecei a me tolher
de minhas essências para tentar me redefinir outra pessoa? Mas que pessoa seria
essa? Será que no fundo não foi esse o grande medo que tive durante anos que me
fizeram ficar aprisionada em casa, com medo de respirar, de me perder daquele
ponto de luz fraca que estava à minha frente? Começo a repensar o que realmente
possa ter sido a minha época de pânico. Eu tive medo da vida, e tentei me
redefinir inteira para ver se me adequaria a um modelo seguro (para quem?).
Falhei.
Sim, falhei. Perdi tudo aquilo
que achei que fosse seguro. Todo aquele medo que nutri durante anos se tornou
realidade, e perdi tudo aquilo que acreditava que fosse solido. Hoje, portanto,
depois de ter todo o meu porto seguro tomado pela fúria impiedosa do mar,
encontro-me aqui, à deriva, apoiada a alguns pedaços daquilo que uma vez fora
uma fortaleza, e busco incansável dentro deste mar a minha essência. Preciso me
redefinir (ou reencontrar minha definição). Acabar com minha ansiedade. Amar-me
por aquilo que sou. Mas o que eu sou? Ainda não sei...
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